quarta-feira, 15 de outubro de 2003

Foi assim Miguel de Sousa Tavares na sua crónica no Avante Lampião...

Miguel de Sousa Tavares fala e manda umas bojardas para os jornalistas desportivos deste País e que nós também há muito denunciamos. Aqui fica o comentário de quem as vive por dentro e sabe do que fala. Obrigado por nos dares razão MST:
"Sucede, porém, que a imprensa desportiva é, na sua esmagadora maioria, lisboeta e, com ou sem disfarce, adepta ou do Benfica ou do Sporting. Ainda há umas semanas, estava eu na redacção da TVI a assistir à transmissão do Partizan de Belgrado-F. C. Porto para a Liga dos Campeões. Se algum daqueles jornalistas tivesse de manifestar a sua opinião publicamente, todos eles diriam certamente que torciam pelo Porto, porque se tratava de uma equipa portuguesa numa competição europeia e, aliás, é muito importante para as outras equipas que o F. C. Porto continue a acumular pontos para Portugal no ranking da UEFA, o que tem permitido a equipas que, por si só, não fazem nada para tal, como o Benfica, aceder pelo menos e de vez em quando à fase de pré-qualificação. Pois, tudo muito politicamente correcto. Mas o facto é que quando o Partizan empatou o jogo, soou um grito histérico de golo! em toda a redacção, que abalou o edifício de alto a baixo e faria crer a qualquer passante que ignorasse o que se passava que o Benfica tinha acabado de marcar um golo ao Real Madrid. Sobre a isenção jornalística em matéria desportiva, estamos portanto conversados.
Ora, quer queiram, quer não, todos estes jornalistas desportivos sediados em Lisboa e todos os seus leitores não estavam preparados nem habituados a terem de levar com os pontos de vista do «inimigo» — que também os tem e tem direito a tê-los. Assim como o povo tradicional do futebol, que 80 por cento era sportinguista ou benfiquista, não estava habituado nem preparado para ver aparecer, já há uns 20 anos atrás, um outsider com a força do F. C. Porto. Há 20 anos que andam a recuperar do choque. Assim, em lugar de reconhecer mérito ao adversário ou de reconhecer culpas próprias, como o facto de o Sporting não saber escolher treinadores ou o Benfica não saber escolher dirigentes, a atitude assumida por todos — e que, de tão gasta, já só convence, de facto, quem quer continuar a não ver o que é evidente — é a de continuar a afirmar, ano após ano, jogo após jogo, que a superioridade contemporânea do F. C. Porto se deve ao «jogo de bastidores» e, em especial, ao favor das arbitragens.
Para que esta doce ilusão possa perdurar eternamente e seja adquirida como verdade, não dá jeito nenhum que haja, aqui e ali, algumas vozes a lembrar coisas incómodas: que há transmissões televisivas de todos os jogos e que qualquer um pode apreciar o que cada um joga e comparar; que não são certamente os árbitros internacionais (antes pelo contrário!) que levaram o F. C. Porto a ganhar a Liga dos Campeões, a Taça UEFA, a Supertaça Europeia, a Taça Intercontinental ou a ser um dos clubes de referência na Europa e na Liga dos Campeões, enquanto o outrora poderoso Benfica é capaz de levar 7-0 de um Celta de Vigo ou é incapaz de vencer uns modestos jovens amadores da Suécia ou da Bélgica; que não são os árbitros, certamente, que respondem pelo amadorismo de gestão que leva um Sporting a inaugurar um estádio novo sem relva ou que leva um Benfica a andar a mendigar lugares para se treinar enquanto constrói o seu novo estádio.
A simples existência de alguém que, de vez em quando, lembre, por exemplo, que, no Porto-Sporting ficaram dois penalties por marcar contra o Sporting e a coisa passou como fait-divers, que a Comissão Disciplinar da Liga parece só ter olhos, vídeo e instinto justiceiro para os jogadores portistas, que o chamado «sistema» é dominado pela coligação Boavista-Benfica, que foram eles, contra o voto do F. C. Porto, que instituíram o actual método de nomeação dos árbitros que agora apresentam como fonte de todas as suspeitas, tudo isso lhes causa perturbação às verdades que têm como estabelecidas. Como em tudo o resto na vida, é sempre muito mais fácil governar e estabelecer a verdade sem contestações, sem oposições, sem que outra verdade se venha contrapor à nossa."

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