Li nestes dias algo que vou agora transcrever, tirando-lhe o meu chapéu. Amen, Sr. José Manuel Ribeiro. Viva o nosso Ninja!
Projecto Derlei
JOSÉ MANUEL RIBEIRO
Há vida para além de Derlei? Em momentos como este, a pergunta tem cabimento: de tanto o ver em jogo, retenho a sensação de que nunca o vi a sério. Derlei pode ser um fenómeno demasiado grande para uma olhadela só; temos de o observar por partes, se calhar até com alguma fantasia. Por exemplo, dá a ideia de ser aquele fulano demasiado ansioso para esperar pela bola, mesmo nos treinos. Não há como escondê-la de tamanha voracidade; se não lhe chega rapidamente aos pés, está claro que vai atropelar o central, atar-lhe os atacadores às orelhas, ferrar-lhe no nariz e talvez bater-lhe, sendo que este "talvez" traz consigo uma altíssima probabilidade de acontecer. Sim, Derlei bate nos centrais. Ninguém lhe impõe respeito, por duas razões: é impossível atemorizá-lo - lembram-se de Balde, aquele central neolítico do Celtic? Se ele não conseguiu, ninguém consegue - e, mesmo que não fosse assim, dificilmente haverá defesa suficientemente lesto. Quando querem mostrar-lhe quem manda, já toda a gente, no campo e nas bancadas, percebeu que é ele. Não há briga sem Derlei. Dizer-se que não vira a cara à luta é um elogio modesto: Derlei mete a cara na luta de propósito, seja ela qual for. Meses depois, acumulados mais detalhes, pergunto-me até por que raio alguma vez se pensou que um simples osso fracturado poderia afastá-lo da final da Taça. Calculo que nenhum incidente sério, sem implicar amputação grave (basicamente, do pescoço para cima) ou perda de sangue superior a cinco litros, possa afastá-lo sequer de uma peladinha de bairro quanto mais de um jogo importante. Derlei não come a relva, devora o estádio e palita os dentes com as torres de iluminação. É por isso que me pergunto, em momentos como este, qual terá sido, realmente, o seu peso na época excepcional do FC Porto. Por muitas palmas que lhe tenham batido, e foram com certeza biliões delas, tenho a ideia de que o subestimámos. Talvez nem seja despropositado perguntar antes qual foi o papel do FC Porto na época "banal" de Derlei.
In "O Jogo", de 7/10/2003
Sem comentários:
Enviar um comentário