- Há pouco mais de um mês atrás Dias da Cunha recusou- se a acompanhar a sua equipa à Luz declarando que isso seria «hipócrita» da sua parte. O Benfica, como ele não se cansou de insinuar ao longo dos últimos anos, integrava o tal sistema que o Sporting combatia e combate em nome da moralização, da transparência e outras coisas grandiloquentes que tais. Mas eis que morre o Fehér e, como que por milagre, o Benfica deixa de fazer parte do sistema aos olhos de Dias da Cunha — que é assim uma espécie de ungido do Senhor, com a missão de, em cada momento, declarar quem são os bons e os maus, quem são aqueles que estão no recto caminho indicado pelo exemplo virtuoso do presidente do Sporting e quem são os indignos de o terem sentado a seu lado na tribuna de um estádio. Há um mês atrás Luís Filipe Vieira fazia parte desta última categoria dos infrequentáveis; agora, graças à morte de Fehér, Dias da Cunha perdoou-lhe os pecados passados e até, num golpe de prestidigitação, riscou-o do sistema ou da direcção e mando na Liga. O Benfica que, juntamente com o Boavista, tomou conta da Liga, chegando Vieira a declarar que isso era mais importante que comprar bons jogadores, vê-se agora, por concessão do príncipe, apagado desse currículo, desse estatuto e dessas benesses tão denunciadas pelo presidente do Sporting e substituído nessa ignomínia por Pinto da Costa e o FC Porto—que, por acaso, foi, juntamente com o Sporting, o único clube que votou contra o actual poder e que não dispõe de um só elemento em nenhum órgão de poder do futebol português. Hipocrisia, disse ele?
- A ida de Dias da Cunha ao programa de Judite de Sousa foi, para resumir tudo em breves palavras, uma coisa pungente, patética, mesmo chocante. Até aqueles que poderiam, em circunstâncias normais, sentir-se atingidos ou ofendidos pelas suas afirmações sempre levianas desta vez apenas conseguiram ter dó. Diz ele que a sua «entrevista» foi recebida com «muito entusiasmo». Não haverá mesmo uma alma caridosa que lhe explique?
- O amigo Valentim Loureiro, porém, resolveu levá- lo a sério e sentir-se ofendido, com queixa à Procuradoria e Comissão Disciplinar da Liga. É extraordinário que o presidente do Sporting possa passar toda a semana anterior ao Sporting-FC Porto a incendiar os ódios, insultando não apenas o seu adversário e os seus adeptos mas virtualmente todos os portuenses — e nada lhe suceda... Mas, se toca no presidente da Liga, aí já a coisa fia mais fino e há que tomar providências disciplinares para o responsabilizar pelo que diz.
- Todavia, e como já sucedeu com a camisola rasgada do Mourinho, também agora o presidente do Sporting tratou de ir adiantando que não tem de provar o que diz. Ele «conhece casos de corrupção»mas não tem de os denunciar nem identificar. Aquele artigo do Código Penal sobre o crime de difamação, que se aplica a todos os cidadãos, Presidente da República incluído, não se aplica porém ao presidente do Sporting. Privilégios...
- O Benfica-FC Porto não foi um grande jogo de futebol mas foi do melhor que se arranja por cá e do melhor que se tem visto este ano. Para começar, nem de um lado nem do outro houve provocações prévias nem tentativas de pressão sobre o árbitro. Não houve incidentes especiais entre adeptos, não houve artistas contratados para se atirarem para o chão em momentos críticos, nem lesões simuladas, nem perdas de tempo deliberadas, nem jogadas antidesportivas, nem uma arbitragem descaradamente caseira. Foi um derby onde se jogava o título, decidido sem penalties, nem golos duvidosos, nem expulsões, nem entradas para magoar. Por isso mesmo estranhei que, num jogo com tão poucas faltas e sem maldade, o Benfica tivesse acabado sem nenhum cartão amarelo, o que foi perfeitamente justificável, mas o FC Porto tivesse acabado com quatro, o que condiciona sempre os jogadores. Julgo que nenhum benfiquista de boa-fé conseguirá encontrar um só lance em que possa reclamar do árbitro. Já o FC Porto tem um offside nuito duvidoso arrancado ao Maciel em jogada de perigo iminente e um claro penalty do Argel sobre o Jorge Costa, que admito que o árbitro possa não ter visto mas que a televisão revelou claramente. Ora, sempre achei que não fica bem uma equipa reclamar de um erro do árbitro, mesmo que porventura decisivo, se em jogo jogado não demonstrou, como foi o caso, merecer ganhar. Isto é, por maior que seja a razão nesse particular, não se pode invocar um erro de arbitragem para justificar a não obtenção de um resultado que não se justificou. Essa é a tradicional postura do Sporting (apesar dos nove penalties que já leva assinalados a seu favor, contra três do Benfica e FC Porto). Mas as grandes equipas, como o FC Porto, habituadas a erros de arbitragem em alta competição europeia — onde os potentados são sempre favorecidos pela arbitragem dos monstros sagrados Collina ou Kim Nielsen, a benefício das receitas televisivas —, já sabem que muitas vezes é preciso jogar contra os erros dos árbitros, porque os jogos se ganham dentro de campo e não no flash interview. Repare-se como nem Jorge Costa nem nenhum outro jogador do FC Porto perdeu tempo, durante ou após o jogo, a reclamar do penalty que João Ferreira não viu. Eu louvo essa atitude mas não posso deixar em claro a atitude dos dois comentadores da RTP, esforçando- se desesperadamente por fingir não verem bem o que as imagens, repetidas e passadas em câmara lenta, mostravam com incontornável clareza. Um pouco mais de isenção só lhes ficaria bem. Detalhe à parte, o essencial é que o FC Porto não jogou o suficiente para merecer vencer um Benfica que foi do melhor que tenho visto esta época e que demonstrou coragem e atitude. Mas, antes que comecem as tiradas de consolação do género «demonstrámos que somos melhores que o Porto», convém recordar várias coisas. Primeiro, que o Benfica tinha de jogar neste jogo uma cartada final decisiva, enquanto o FC Porto tinha, sobretudo, de gerir a sua vantagem e o seu avanço, agora que está em pleno ciclo terrível da época. Depois, que a qualidade de uma equipa não se mede por um jogo, mas por uma época inteira, e, nesta, o FC Porto já leva mais jogos disputados e bastante mais jogos difíceis que os seus concorrentes directos. O Sporting está afastado de todas as competições, excepto o campeonato, o Benfica mantém-se na Taça e na UEFA, mas graças a uma irrepetível sorte nos sorteios; o FC Porto lidera o campeonato, está nas meias-finais da Taça, depois de ter afastado equipas da primeira Liga como o Boavista, venceu a Supertaça Cândido de Oliveira e esteve a um sopro de vencer a Supertaça Europeia contra o Milan e, acima de tudo, ultrapassou a primeira fase da Liga dos Campeões e, depois do Real Madrid, saiu-lhe pela frente nada menos que o Manchester United. Enfim, mesmo no campeonato, o FC Porto terminou na Luz todas as deslocações teoricamente mais difíceis (já foi ao Restelo, a Alvalade, à Luz, ao Funchal, a Leiria, a Guimarães, a Braga e ao Bessa, sem nunca conhecer a derrota) e tem mais um jogo disputado fora que o Benfica e mais dois que o Sporting. Last but not least, convém ainda não esquecer que o FC Porto que se apresentou na Luz estava desfalcado de Derlei, César Peixoto, Alenitchev e Marco Ferreira. Esperar que chegasse à Luz e passasse os 90 minutos em cima do Benfica era pura demagogia. O essencial é que, no espaço de duas semanas, Sporting e Benfica tiveram ambos a possibilidade de encurtar distâncias para o FC Porto e não o conseguiram.
Sem comentários:
Enviar um comentário