quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

MST de novo... Mais uma lança no Avante Lampião

"O incendiário, o artista, o daltónico e o cavalheiro"

"Para que não haja lugar amal-entendidos, começo por dizer que considero justo o resultado do Sporting- FC Porto. Muito embora se me tenha tornado evidente que o Sporting não conseguiria marcar que não de penalty e não conseguiria evitar a derrota sem a decisiva ajuda do árbitro, a verdade é que os portistas já contavam com isso. Em Alvalade, desde há muitos anos para cá, o FC Porto enfrenta sempre o Sporting e a arbitragem.. Em Alvalade, de resto, é raro assistir-se a uma arbitragem que não seja descaradamente caseira, ver o adversário terminar com onze jogadores ou deixar de ser punido com penalty inexistente. A pressão sobre os árbitros, antes e durante os jogos, aliada ao choradinho de que ainda são prejudicados, é hoje um factor decisivo na competitividade do Sporting. Em dois jogos de título consecutivos, o Sporting beneficiou de quatro penalties, dois dos quais, pelo menos, falsos como Judas e decisivos. Mas, como disse, comisso já oPorto contava e cabia-lhe, mesmo assim, lutar pela vitória, o que manifestamente não fez. O resultado é, pois, justo, mas a história do jogo e do resultado fica indelevelmente ligada a quatro personagens: o incendiário, o artista, o daltónico e o cavalheiro.

O INCENDIÁRIO é, obviamente, o presidente do Sporting. Não foi preciso esperar nem quarenta e oito horas depois do enterro do Fehér para que todas aquelas bonitas palavras sobre solidariedade e paz no futebol tombassem com estrondo, quando Dias da Cunha abriu a boca e, como de costume, despejou ódio e irresponsabilidade. Pode sempre adoptar-se em relação a ele a atitude que se vem instalando de o tomar como inimputável, a quem basta estenderem um microfone para ele se passar de todo. Mas, apesar de tudo, desta vez, o seu comportamento excedeu os limites do anti desportivismo, do insulto e da provocação e só não há mortos e feridos a lamentar do incêndio que ele quis atear porque os adeptos mostraram bem mais categoria para estar no futebol do que o presidente do Sporting. Notável o descaramento com que ele enfrentou o problema criado com a atitude anti desportiva de limitar, contra a lei, a venda de bilhetes a adeptos doFCPorto (e, afinal, estavam dez mil lugares por preencher no estádio...), dizendo que tudo se resumia a uma multa que o Sporting pagaria «sem problemas ». Elucidativa das suas boas maneiras a forma como, tendo visto contrariada pelo MAI a tentativa de separar os adeptos portistas uns dos outros, de modo a que o seu apoio não se sentisse, e mesmo pondo em risco a sua segurança, ele reagiu acusando as autoridades de «terem baixado as calças» às ameaças portistas (respondeu-lhe e muito bem o Comando-Geral da PSP, dizendo que não estavam habituados a discutir «a esse nível»). Irresponsável a leviandade de incitar os ânimos e os ódios, quarenta e oito horas antes do jogo, chamando criminoso a Pinto da Costa, novos vândalos aos adeptos portistas e declarando que, se os houvesse no mercado, mandaria rodear o estádio de chaimites para receber os do Porto. Forte da coragem de saber que em Alvalade nada arriscava e fortalecido pelo abraço recebido na Luz, Dias da Cunha achou-se com a retaguarda suficientemente protegida para insultar tudo e todos, dentro do novo clima de desportivismo, transparência e apaziguamento de que se proclama arauto. Mas é certo e sabido que da próxima vez que o Sporting for às Antas, ele se vai quedar por um hotel no Porto, a ver o jogo pela televisão, declarando que não há ambiente para um senhor como ele ir ao estádio.

O ARTISTA foi, claro, Liedson. Pessoalmente, acho-o um grande jogador e um perigo à solta dentro da área, mas não sabia que, tal como o seu colega Silva, já tinha conseguido, em tão pouco tempo, assimilar as regras da escola de teatro da Academia de Alcochete e aprimorado o estilo de penalties à João Pinto. O primeiro penalty que sacou sábado passado é um clássico dentro do género: é só preciso chegar à bola primeiro que o guarda-redes, depois adianta-se a bola para onde não se consegue nem se pretende ir buscá-la, trava-se a corrida de modo a que uma perna «de arrasto» vá bater nas pernas do guarda-redes, que as não pode fazer desaparecer por magia, e pronto... é penalty. Do segundo penalty nem vale a pena falar, bem como das simulações de faltas sofridas e da forma inebriante como ele se atirava para o chão a rebolar sem parar, como se tivesse sido atingido por um cortador de relva. Agora, na memória de nós todos (excepto, claro, na da Comissão Disciplinar da Liga), há-de ficar aquela cena anedótica em que ele, reagindo ao retardador, se atira para o chão a rebolar e a gritar de dores pungentes, quando o Jorge Costa lhe encostou dois dedos à orelha. Juro que, no género tragicómico, nunca tinha visto igual. Melhor mesmo, só o inevitável Dias da Cunha, a declarar no final que era umapena que Lucílio Baptista não tivesse visto a agressão do Jorge Costa. Ele ver viu, viu exactamente o que se passou, mas até achou que um teatro daqueles até merecia aplausos. Beneficiando da compreensão do árbitro, o artista prosseguiria a sua performance ao longo do jogo e viria a revelar-se decisivo para o seu desfecho.

O DALTÓNICO é precisamente o grande internacional Lucílio Baptista, que esteve, uma vez mais, igual a si mesmo, isto é, sem pinga de isenção ou categoria. Para os artistas do Sporting era toda a compreensão do mundo, para os do FC Porto era dedo em riste, cara de mau, tom de ameaça, amarelos por dá cá aquela palha. Faltas contra o FC Porto eram todas e mais algumas, até assinaladas voltando atrás depois de ter dado a lei da vantagem. Contra o Sporting, foi uma inexplicável dificuldade em ver faltas evidentes: o Deco rasteirado à entrada da área, depois do 0-1, o Maciel agarrado pelo Rui Jorge quando se ia isolar, o Beto a defender em voo e como punho no limite exterior da área, o Pedro Mendes atropelado por dois jogadores do Sporting dentro da área do Porto, permitindo uma jogada de muito perigo do Sporting, etc, etc. Penalties, está tudo dito: viu o primeiro, todavia bem menos visível que os dois que, no ano passado, no mesmo jogo, deixou passar contra o Sporting; quanto ao segundo, conseguiu a proeza de, a trinta metros de distância e encoberto, ver uma pretensa falta cometida pelo Paulo Ferreira sobre o Liedson, quando os dois corriam de costas para o árbitro e lado a lado. Ainda e decisiva foi a sua ordem ao Rui Jorge para lançar a bola, na jogada do segundo penalty e quando estava a ver que na lateral ainda estavam o Maniche e o Jorge Costa junto do João Pinto. Se o Rui Jorge diz a verdade — e eu acredito que sim—o Mourinho cometeu uma injustiça para com ele. O responsável por aquele acto profundamente anti desportivo de recomeçar o jogo tirando vantagem de dois adversários se encontrarem de fora a assistir um colega magoado, foi do árbitro e não do defesa sportinguista. O que eu sei é que as imagens mostram o Jorge Costa a pedir ao árbitro autorização para reentrar em campo, já depois de o Rui Jorge ter lançado a bola, e sei que, não por acaso, foi exactamente pela zona do Jorge Costa e aproveitando a sua ausência, que o Liedson entrou para se atirar para o chão, ganhar um penalty e dois pontos. Foi feio, muito feio, ou, como disse o inevitável Dias da Cunha, uma «arbitragem corajosa» e «contra o sistema». É verdade que, como acrescentaram alguns sportinguistas, Fernando Santos incluído, faltou ainda expulsar o Vítor Baía no lance do primeiro penalty: os quatro ex-árbitros que funcionam como analistas da arbitragem em «O Jogo», explicavam na edição de domingo e unanimemente porque o Baía jamais poderia ter sido expulso e porque o segundo penalty foi inventado. Remeto para essa leitura os porventura de boa-fé.

O CAVALHEIRO é José Eduardo Bettencourt, uma pessoa por quem eu, à distância, sempre tive, e mantenho, consideração e respeito. Quando o vi, em tom solene e pungente, aparecer na sala de imprensa exibindo uma camisola rasgada do Rui Jorge, contando que ele a quis trocar pela do Vítor Baía e que José Mourinho, perante a concordância de Pinto da Costa, se opôs, rasgando a camisola e declarando que queria ver o Rui Jorge «morrer em campo», fiquei estarrecido. Imaginei a cena e não conseguia acreditar que o José Mourinho, ou quem quer que fosse, por mais nervoso e exaltado que estivesse, tivesse feito e dito coisa daquelas. Mas como era o José Eduardo Bettencourt a jurá-lo pelo seu cavalheirismo, pelo seu bom-nome e maneira «diferente» de estar no futebol, confesso que fiquei baralhado. Mas, afinal, e como relataram os jornais dos dias seguintes, tudo não passou de verdade «por ouvir dizer», visto que José Eduardo Bettencourt, ao contrário do que deixou crer, não assistiu a nada. Segundo o relato do roupeiro do Sporting, terá acontecido que, já na sua cabine (e porque não no campo?) o Rui Jorge terá querido trocar de camisola com o Baía. Mandou-a pelo roupeiro do Sporting, o qual a entregou ao do FC Porto, o qual regressou depois com ela rasgada e o recado que José Mourinho terá enviado, acrescentando que tinha a concordância de Pinto da Costa —ambos, pelos vistos, recolhidos à cabine dos jogadores. Então, o sr. Manuel levou de volta a camisola e a mensagem invocadamente recebidas do sr. Moreno, entregando-as a Rui Jorge, o qual as passou a Fernando Santos, o qual as passou a Bettencourt, o qual, indignado, exibiu camisola e história na conferência de imprensa.Eagora, pergunto, como irá o chefe do departamento de futebol do Sporting fazer prova em tribunal, recorrendo a testemunho em quinta mão, da gravidade das acusações que lançou sobre José Mourinho? E o tom em que o fez? Aquela insuportável postura de «somosum clube diferente, fundado por um Visconde, verdadeiro clube de cavalheiros e desportistas puros, integramos a elite do país, ministros, generais, presidentes, titulares, não nos confundimos nem misturamos nem com o povo benfiquista nem com esses marginais selvagens do Porto, essa gente que tem de comprar o que a nós nos é dado de graça — os favores da arbitragem?» Pois é, mas como pode um clube de gentlemen e fair play ter um presidente que fala a umnível que até a polícia recusa discutir ou ter um speaker de serviço no estádio que, quando a claque do Porto canta, proclama aos microfones que «vozes de burro não chegam ao céu»? Serão privilégios de berço?
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