quarta-feira, 9 de junho de 2004

Este homem só diz verdades!!! MST de novo no Avante Lampião!!!

"Saída pela porta grande... dos fundos

HÁ uma imagem que me ficou marcada, no rescaldo de Gelsenkirchen: o avião que trazia a equipa do FC Porto, e com ela a taça acabada de conquistar e que a Europa inteira cobiça, tinha aterrado havia pouco em Pedras Rubras, eram umas seis da manhã. Depois de na própria pista terem recebido a homenagem dos funcionários do aeroporto, os jogadores esperavam no átrio, no meio da restante comitiva, o momento de saírem lá para fora e tomarem lugar no autocarro que iria demorar ainda uma duas horas a chegar ao Estádio do Dragão, onde uma multidão os esperava desde as 10 da noite. Foi então que apareceu José Mourinho, acompanhado pela mulher e pelas filhas, com quem tinha viajado na fila da frente do avião, alheio a tudo o que se passava atrás de si. Dirigiu-se a uns funcionários do aeroporto com quem falou durante breves instantes e rapidamente desapareceu para nunca mais ser visto no Porto: no rádio do carro que me conduziu de volta a casa ouvi que teria partido directamente para Setúbal ou para Lisboa—até hoje ainda não sei. E dei comigo a pensar que, afinal, Mourinho não tinha saído nem pela porta grande—que merecia—nem pela porta pequena, que seria impensável. Saiu, sim, pela porta dos fundos: a grande, sem dúvida, mas não a da frente.

No Record dessa mesma manhã seguinte à noite de glória, ainda o povo estava na rua a festejar e já o editorialista Bernardo Ribeiro concluía: «... este treinador afrontou o sistema e tudo vai fazer para denegrir a sua passagem pelas Antas. Será sistematicamente esquecido e maltratado. A culpa será... do PC (Pinto da Costa)?» Confesso que nunca tinha lido nenhum texto deste Bernardo Ribeiromas seria quase capaz de apostar que no passado, quando Mourinho e Pinto da Costa eram a imagem inabalável do FC Porto intratável a nível doméstico, ele não fazia distinção e seguramente não era tão elogioso para com Mourinho. Pois é, onde estão agora os que ainda há pouco tanto o criticavam, lhe chamavam arrogante e insuportável, os que comeram sem pestanejar o barrete da camisola do Rui Jorge, pretensamente rasgada por Mourinho —conforme demonstravam as provas que o Sporting tinha em seu poder e que jamais vimos nem veremos? Agora, que José Mourinho já não é treinador do FC Porto, é só elogios e até a sua imediata transformação em vítima do sistema e de PC...

Mas está enganado o homem do Record: os portistas não esquecem nem se preparam para maltratar Mourinho. Apenas não estão dispostos a alienar a sua dignidade, mesmo perante aqueles a quem mais devem e mais gratos estão. Afinal, o mesmo fez o Benfica com o mesmo José Mourinho, quatro anos atrás...E eu, que então aqui elogiei a atitude da direcção do Benfica, escrevendo, todavia, que Mourinho era o mais promissor treinador do futebol português, hoje escrevo exactamente o mesmo.

José Mourinho foi o melhor treinador que alguma vez passou pelo FC Porto, desde que me lembro. O melhor na preparação táctica dos jogos— onde o seu trabalho chega a ser obcecante —, o melhor na leitura estratégica do jogo, o melhor na liderança dos jogadores, o mais inteligente, o mais culto, o mais profissional, o que melhor tira partido da imprensa e das intervenções públicas. Os seus segredos guardou-os sempre em treinos à porta fechada e em relatórios sobre os adversários e entregues aos jogadores — um dos quais, exactamente o relativo ao Mónaco, tive a honra de receber como oferta sua, antes do grande jogo da final. Mas quem quer que tenha entrevisto um desses treinos, lido um desses relatórios ou o tenha ouvido dissertar para auditórios restritos sobre a forma de liderar uma equipa não pôde senão constatar como o seu trabalho está a anos-luz de qualquer outro treinador português, incluindo tantos que se tomam por estrelas ascendentes e se põem em bicos de pés a dizer que «já merecia um grande!».

José Mourinho vai marcar para sempre uma época, não apenas no FC Porto mas no futebol português. Nadamais será como dantes depois dele: muitos tentarão imitá-lo, muitos tentarão humildemente aprender a sua lição, mas nenhum ja mais o igualará. É um dos raros caso sem que a ambição caminha a par com o talento e em que o talento caminha a par com a capacidade de trabalho e de entrega. Dizer que os portistas iriam agora dedicar-se a esquecer Mourinho é de uma estupidez sem limites. Se alguma coisa este clube tem é memória.

E tem também gratidão: ninguém, entre toda a nação azul e branca, iria ou irá jamais «maltratar » José Mourinho. Daqui a 20 anos ainda falaremos dele com saudade e com uma infinita gratidão. Era isso e apenas isso que queríamos ter mostrado a José Mourinho depois do apito final de Kim Nielsen em Gelsenkirchen: a nossa gratidão. Já sabíamos que ele se ia embora e, embora tristes, todos o aceitávamos como facto inevitável—não apenas pelo lado financeiro, o que seria pouco para alguém como ele, mas também pelos novos desafios desportivos que constituem a adrenalina que o faz ser o vencedor que é. Já sabíamos isso e estávamos conformados. Mas queríamos mostrar-lhe que lhe estávamos gratos e queríamos também — e parece-me que não era demais—que tivesse ido ali, junto dos milhares de emigrantes vindos de todo o centro da Europa e dos milhares de adeptos vindos de Portugal e que tinham passado dois anos a seguir por todo o lado o FC Porto de Mourinho, de Sevilha a Gelsenkirchen, agradecer-nos igualmente a parte que nos cabia, aos adeptos e ao clube, nos seus e nossos êxitos. Era só isso: que tivesse ido ali, junto à bancada sul, fazer-nos um gesto de agradecimento, de alegria, de saudação, de adeus, que fosse. Já sei que encontrou a família de repente e decidiu-se por ficar junto a ela. Mas a família iria tê-la logo a seguir, junto à cabina, no avião, em casa. A família portista, essa, era a última oportunidade para a ver e para se despedir. José Mourinho optou por não o fazer e, assim fazendo, optou por sair de cena pela porta dos fundos.

Lamento infinitamente escrever isto mas ficaria de mal com a minha consciência se o não fizesse. Tenho profunda admiração por José Mourinho, não principalmente por ele ter triunfado mas por ter ousado enfrentar o verdadeiro sistema português, que é o da inveja dos medíocres. Não esqueço nem nunca serei ingrato. Devo-lhe algumas das maiores alegrias que o futebol jamais me deu. Mas, apesar de tudo e ao contrário do que ele talvez imagine, sei e tenho plena consciência de que o que conseguiu não o conseguiu sozinho e não o conseguiria em nenhu moutro clube português. O FC Porto já era um grande clube do mundo antes de Mourinho e vai continuar a sê-lo depois dele. Ao contrário do que disse Luís Duque, o Sporting não poderia estar agora no lugar do FC Porto se tem contratado José Mourinho, depois de ele sair do Benfica. Porque não há comparação alguma entre a competência de Pinto da Costa e o snobismo serôdio de Dias da Cunha. Porque não há comparação alguma entre o profissionalismo da organização do FC Porto e o voluntarismo da organização sportinguista. Porque não há comparação alguma entre o espírito de conquista de toda a nação azul e branca, e que na equipa se transmite de geração em geração, venha quem vier, e a atitude de eterna lamechice e desculpas esfarrapadas para os fracassos, do Sporting. Há anos que o escrevo mas—felizmente!—em vão: os adversários internos do FC Porto deveriam estudar e tentar compreender as razões para os seus êxitos, em vez de se ficarem pela atitude de maus perdedores e de tentarem sempre justificá-los com razões obscuras. Quando acordarem o FC Porto será não apenas o maior clube português em termos de títulos internacionais, que já o é, mas também em termos de adeptos espalhados por esse mundo fora. Que nunca acordem! (a negrito, por minha iniciativa e por corresponder inteiramente ao que sinto)

Ora, ninguém percebeu isso melhor que o próprio José Mourinho. Ninguém como ele percebeu melhor a célebre verdade que todos os treinadores que passaram pelos outros e depois pelo FC Porto unanimemente referiram: que um título ganho no Porto custa e vale infinitamente mais que um título conquistado em Lisboa. Aos que agora o elogiam e dantes o execravam e agora já o vêem como vítima, esquecida e maltratada pelo sistema PC, convém recordar que a primeira vez que José Mourinho disse publicamente que queria ir para fora e libertar-se do sistema do futebol português foi na célebre noite após o jogo de Alvalade deste ano...

E é só por isto que tínhamos direito a esperar que Mourinho tivesse festejado connosco, que tivesse feito parte da alegria que era de todos. Porque os treinadores e os jogadores vão e vêm e nós, adeptos, ficamos sempre. E, por mais insubstituíveis que eles nos pareçam, a verdade é que continuamos sempre. No limite, basta que haja onze adeptos e podemos fundar um clube, constituir uma equipa sem treinador e jogar. Mas um treinador não sobrevive sem um clube e não há clubes sem adeptos. Por mais brilhantes que sejam os jogadores e o treinador, somos nós, os adeptos, o sal do futebol."


Agora permitam-me que transcreva, mais uma vez, o pensamento do Jorge Olimpo Bento e que já o pus num post anterior:

"... .Mourinho vai continuar a ter sucesso. Mas não voltará a conhecer os dias e noites dos triunfos inebriantes que teve no Porto. Não voltará a encontrar adeptos à sua espera e a cantar como pássaros azuis no alto das madrugadas. Encontrará os bolsos cada vez mais quentes de dinheiro, mas o seu interior frio e vazio das emoções e excessos que dão cor e sentido à existência. Porque não há no Mundo outro clube como este que acenda no estádio o fogo que incendeia a alma do desporto e alumia os nossos passos. Porque nele está sempre em brasa o ideário que irmana o desporto e a vida: Citius, Altius, Fortius! Bendito sejas, Futebol Clube do Porto, porque anulas a lógica das probabilidades e dás a um pequeno país a glória de Gelsenkirchen e de tantas jornadas que já vivemos e havemos de viver! Porque és um poema que nos tira o pó da boca e o luto da nossa vida. Pões brilho nos nossos olhos e música no coração. És hoje o nome celebrado e colorido de Portugal no Mundo."

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