1- Scolari tem um problema e esse problema chama-se Ricardo Quaresma. Assim mesmo: foi assim que vi escrito algures e é assim que oiço comentar, entre amigos que gostam de futebol, o «problema que está a ser criado ao seleccionador nacional» pelas consecutivas exibições de luxo do n.º 7 do FC Porto, hoje claramente o melhor jogador em palco na Superliga. Mas afinal — perguntará alguém desembarcado de outro planeta — qual é o problema de Scolari? Desde quando é que o aparecimento de um grande jogador, em forma exuberante, fora da lista inicial dos conjecturáveis, constitui um problema? Que seleccionador no Mundonão gostaria de ter um problema destes para resolver a seis meses de um Mundial? Pois, dá-se o caso de o nosso seleccionador ter anunciado já há dois meses que, dos 23 que irão ao Mundial, 20 já estavam escolhidos, faltando apenas escolher três, entre os quais um guarda-redes. E, nos dois que sobram, não constaria Ricardo Quaresma, que o seleccionador generosamente se disporia a ceder à Selecção de Esperanças. Na lista fechada de Scolari não há lugar para revelações de última hora, nem sequer com seis meses de antecedência. Trata-se da sua lista, do seu grupo, dos seus rapazes de confiança, do seu célebre balneário — o tal que tem misteriosas regras que não consentem a inclusão de gente com personalidade e ideias próprias, como Vítor Baía. Enfim, é a Selecção de Scolari e, se ela se abrisse a importunos como Ricardo Quaresma, ou se se guiasse por estritos critérios de desempenho e de justiça consensuais, deixava de ser a Selecção de Scolari e passaria a ser a Selecção de Todos Nós, como gostam de dizer. Um perigo. Gente que, como eu, acha que Ricardo Quaresma faz parte daquela restrita lista de jogadores de futebol que justificam o preço dos bilhetes e o incómodo da deslocação ao estádio, aconselham a que se esteja calado nesse sentimento: quanto menos se falar do rapaz, mais hipóteses tem ele, dizem, de poder vir a ser chamado à Selecção. Porque o que, antes de mais, está em causa, não é a competência nem o mérito, mas a fina susceptibilidade do seleccionador. A excelência do Ricardo Quaresma devemanter-se assim um segredo de Polichinelo partilhado entre os seus admiradores, sussurrado como segredo de Estado, suficientemente baixo e ténue para que, no final, se ele for chamado, possa ficar a impressão que todo o mérito da escolha se deve a Luiz Felipe Scolari. Pois eu cá, não me consigo conter. Gosto suficientemente de futebol para não conseguir disfarçar o deslumbramento quando vejo um génio à solta em campo. São eles, sejam quem forem os seus clubes ou os seus países, que escrevem os momentos mágicos que nunca mais esquecemos quando falamos de futebol e que atraem para este jogo fabuloso sucessivas gerações de miúdos deslumbrados com as proezas dos seus ídolos.
2- Talvez o público de Guimarães, que tem o mérito de seguir sempre o seu clube e não falhar no estádio, faça parte do rol dos que não se importam de ver Ricardo Quaresma fora do Mundial. Há sempre gente para quem o despeito é mais importante do que a justiça ou até a qualidade do espectáculo. No futebol, todos têm uma paixão pelo seu clube, mas há quem se limite a isso e quem tenha também uma paixão pelo futebol. Se o meu clube ganha jogando mal ou beneficiando de um erro do árbitro, eu não gosto: fico frustrado, irritado, zangado com a equipa. Mas há muitos para quem tanto lhes faz: querem é que o seu clube ganhe, mesmo que com um golo marcado com a mão e sem nada ter feito para o merecer. Em Guimarães, aos 21 minutos de jogo e devido ao mau estado da relva, Ricardo Quaresma escorregou quando ia pontapear um livre frontal e acabou por fazer um passe ao guarda-redes. Os adeptos do Vitória romperam num coro de assobios, difícil de psicanalisar: que assobiavam eles — o génio do Quaresma, a sua infelicidade? Nunca saberemos explicar. Só sabemos que, volvidos dois minutos, o mesmo Quaresma, de dedo na boca, os fazia calar, depois de, à vista das bancadas, ter-lhes mostrado o que é capaz de fazer um grande jogador de futebol que recebe uma bola sobre a esquerda, a trinta metros da baliza e com um adversário a tapar-lhe o caminho. Vinte e cinco minutos volvidos, esse mesmo adversário, entrando-lhe às pernas pela terceira ou quarta vez, conseguiu enviá-lo definitivamente para o balneário — que é o lugar reservado aos génios como ele, quando jogam perante um público que não gosta de os ver jogar.
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3 comentários:
Lindo.
Um Bom ano
Quem diz a verdade não merece castigo...
Bom ano para todos!
Não sei para que se perde tempo a falar sobre acéfalos - Scolari. Já andamos indignados com este deficiente (há vários tipos de deficiência, esta infelizmente é das mais graves, pois o indivíduo em questão está numa posição em que toma decisões importantes) desde a altura em que o Mourinho treinou o FCPorto. Na melhor fase de sempre do clube - em futebol -. Aquele grupo a que chamo de Clube de Futebol Portugal S.A., não é a minha selecção. Portanto, estou-me borrifando para as escolhas dele. Lamento pelos jogadores do nosso clube, que poderiam ter lugar lá. Já experimentei um misto de amor e ódio durante este período em que o acéfalo veio para cá. Neste momento, é a indiferença total.
Prefiro falar sobre o Quaresma e os restantes jogadores do clube. Foi uma das coisas (poucas) que o treinador conseguiu fazer BEM. Finalmente o Quaresma está a mostrar parte do seu potencial, pois tenho a certeza que ele pode evoluir muito mais. Quando o via no Sporting, a jogar contra nós, sentia arrepios e ao mesmo tempo deslumbramento com a coordenação fantástica que ele tem. Como desportista, tenho de reconhecer o bom trabalho que os Lagartos fazem nas camadas jovens, pois de lá têm saído grandes jogadores, principalmente atacantes. Muito provavelmente o FCPorto é a equipa mais bem preparada para os fazer dar "aquele" salto entre o bom e o excelente já nos séniores.
Acho que é isso que está a acontecer ao Quaresma e ainda bem para nós, pois agora regalo-me a vê-lo a pôr de joelhos os adversários que lhe aparecem pela frente.
Mais uma vez, o pior que continuamos a ter são os árbitros, que deixam jogar (se é que se pode chamar isso a PORRADA) até que estes artífices saiam do campo magoados. E isto vale para todos os jogadores de todas as equipas. A culpa vai inteirinha para aquele quarteto de artolas que lá andam, autênticos mercenários, cujo cacique tem os cartões para os exibir ao espelho. Vergonha para eles e glória aos grandes jogadores.
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