terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O outro Djalma!

O FC Porto, apesar de eu ainda não ser nascido à época, teve outro Djalma, antes deste que aí vem.

Foi nos anos 60, era brasileiro, veio do Guimarães e era um avançado fantástico!

O "Mais Futebol" fez uma peça notável, a ler aqui, aqui e aqui.



«Se tiver menos de 40 anos é provável que a personagem lhe seja estranha. Djalma Nascimento de Freitas, glória do F.C. Porto entre 1966 e 1969, e muito provavelmente o maior boémio de sempre do futebol português. Por alturas do último Clássico no Dragão, redescobrimos os seus feitos, regados com porções monstruosas de álcool e emoldurados numa inconsciência kamikaze.

Heróico nos relvados, louco fora deles. A personagem, digna de um qualquer melodrama tragicómico da Sétima Arte, cativou-nos. São tantos e tantos os relatos de molecagem e rebeldia, tantas e tantas as afrontas à sensatez, que Djalma podia muito bem ter saltado directamente das páginas de um romance carnavalesco de Jorge Amado para o argumento da vida real.

A muito custo, o Maisfutebol apanhou-o no Bairro da Várzea, cidade de Recife, a meio de um jogo de baralho no restaurante favorito. «Passo aqui as minhas tardes», diz seu Djalma, bon vivant reformado, na voz trémula de 70 anos cansados. Custa a acreditar ter sido mesmo ele o responsável pela preocupação de tantos pais portugueses em relação à seriedade donzelesca das filhas.


De cabeça perdida e atrás do árbitro


O desassossego começou em 1965. Djalma chegou nesse Verão ao V. Guimarães. Tinha 27 anos, mas a direcção dos minhotos entendeu por bem retirar-lhe cinco. Dava-lhe um ar mais jovem e prometedor. Antes de chegar a Portugal tinha sido detido pela polícia brasileiro já dentro do avião.

«Disseram que tinha abandonado a minha mulher com um filho», recorda, mais preocupado com os colegas que jogam às cartas na mesa ao lado.

As diabruras no Minho duraram apenas um ano. Em dois jogos contra o Sp. Braga marcou 11 golos (6-2 na Cidade-Berço, 3-5 na segunda volta). Guimarães rendeu-lhe homenagens várias, Djalma deixou de pagar o que quer que fosse nos estabelecimentos comerciais da urbe onde Portugal germinou.

«Apanhei seis jogos de castigo e só por isso não fui o melhor marcador. [n.d.r. Eusébio (Benfica) e Figueiredo (Sporting) fizeram 26 golos, Djalma marcou 18]», lamenta, interrompido aqui e ali por uma tosse traiçoeira.

Atrás de cada frase vem uma recordação. Seis jogos de castigo? «Agredi um adversário [contra o Salgueiros] porque ele simulou ter sido agredido. Eu não tinha feito nada e perdi a cabeça. Bati nele e depois fui atrás do árbitro.»

Seis jogos, pois.


A bebida, muitos filhos e ainda mais mulheres


Num dia de excessos, Djalma fugiu do estágio para ir ver a namorada. Pegou no Austin que o V. Guimarães lhe oferecera e (ironia das ironias) em frente ao estádio do Sp. Braga atropelou um homem de etnia cigana. Mais problemas.

«Tudo se resolveu. Fiquei com muito medo e comecei a dar-lhe dinheiro todos os meses», confirma, meio embaraçado. «Adorava a bebida e as mulheres. A minha vida era um carro alegórico. Tinha cor, álcool, meninas e ritmo. Deixei sete filhos em Portugal, todos de mães diferentes. No Brasil tenho mais cinco. Estou feliz porque já conheci todos e posso acabar os meus dias em paz.

A obsessão pela farra, a postura indolente e indisciplinada, o desrespeito pela mais elementar das regras levaram a direcção do Vitória ao desespero. No final da época 1965/66, Djalma saiu para o Estádio das Antas, desafiado pelo áspero código de conduta professado por José Maria Pedroto. «Só ele me conseguia controlar», confessa ao Maisfutebol, 45 anos volvidos.

Em três temporadas fez 72 jogos e 42 golos pelo F.C. Porto. Números magnânimes, testemunhas abonatórias de um talento sem fim. Djalma ganhou muito dinheiro. 60 contos (300 euros) no primeiro ano, 70 no segundo e 80 na última. Fazia vida de rico, desprendido de obrigações e afectos familiares, interessado apenas pelo risco. Quase sempre máximo.

No próprio balneário das Antas, às escondidas de Pedroto, sorveu com sofreguidão caixas e caixas de vinho rosé. «Uma empresa oferecia as bebidas ao marcador do primeiro golo. Quando era para mim eu bebia tudo logo depois do jogo. Não tinha noção de nada», diz, num grito de arrependido. Afinal, nem Pedroto o conseguiu domar.

«Mereci todos os castigos. Fui um grande goleador, mas podia ter sido ainda melhor.»

Damas no chão, Djalma a celebrar o espectáculo

Djalma nunca foi campeão nacional. Venceu só uma Taça de Portugal, em 1968, depois de ter feito quatro golos ao Benfica nas meias-finais. Os episódios de deleite pela afronta compensam, em larga medida, a ausência de troféus concretos. Nem o malogrado Vitor Damas escapou.

Num duelo contra o Sporting, Djalma avisou os jornalistas: «Vou marcar ao Damas. Mas antes de marcar, vou fazer-lhe uma finta e deixá-lo no chão.» Assim foi. «Adorava o espectáculo. O F.C. Porto era maravilhoso, ainda há poucos anos visitei o clube. Em 1969 estivemos quase a ganhar o campeonato [o Porto perdeu nas Antas com a Académica e U. Tomar, acabando por ser ultrapassado pelo Benfica].»

Pedroto entrou em conflito com a direcção. Djalma e outros mais seguiram o exemplo do treinador e saíram do clube. Acabava ali o período dourado do avançado brasileiro.

18 dias em coma e a homenagem no Riopele

Anos mais tarde, estava Djalma no Sp. Espinho, a morte bateu-lhe à porta. Um almoço bem regado na zona da Granja precipitou um acidente de viação gravíssimo. A caminho do Café Velasquez, na zona das Antas, a condução vertiginosa foi abalroada por um camião. Djalma foi operado durante 12 horas e ficou 18 dias em coma no Hospital de Santo António.

Dois dedos da mão esquerda foram-lhe amputados, a perna direita ficou mais curta uns valentes centímetros. «A cicatriz está aqui, para ninguém pensar que estou a mentir.» Quando acordou, percebeu onde estava e esperou pelas 23 horas. Fugiu de pijama, em busca do conforto da sua segunda casa: o Tamariz, uma das casas de alterne mais afamadas da Invicta.

«É, é mesmo verdade. Estava há 18 dias sem beber. Acordei com a garganta seca», explica, numa gargalhada. «Um empregado de lá viu-me e ligou para o hospital. Foram buscar-me e prenderam-me à cama, de cadeado.»

Quase deficiente, fez-se de teimoso e ainda voltou aos campos. As dores tornaram-se insuportáveis e um médico ameaçou-o com a amputação da perna carcomida. Desistiu. Na miséria, recebeu uma festa de homenagem do F.C. Porto, no estádio do Riopele.

Voltou ao Brasil com «cento e poucos contos» no bolso.

«O tempo voa. Não me lembro de muita coisa. Mas disso nunca me esquecerei.»

A tragédia não sai da cabeça de Djalma. O sentimento de culpa também não. Tudo começou numa mentira e acabou numa desgraça. O brasileiro não resistiu ao apelo de uma amante e convenceu o médico do Belenenses que estava lesionado. Não podia, por isso, embarcar na digressão para Angola. Camacho Vieira acreditou-se.

Começou a beber numa sexta-feira, continuou estupidamente ébrio no sábado e matou três pessoas no domingo da manhã. Perdeu o controlo do Alfa Romeo quando ia buscar uma encomenda de vinho à Estação de Santa Apolónia. Djalma bateu no fundo do poço, mas só o soube muitas horas mais tarde. Em plena ressaca.

«Ainda fugi. Um homem, que até era polícia, deu-me boleia para casa. Deitei-me completamente bêbedo e acordei no dia seguinte já na esquadra», descreve ao Maisfutebol, sem mais pormenores.

Nem a intervenção de Américo Tomás, fervoroso belenense e à altura Presidente da República, lhe valeu. Foi condenado a 15 meses de prisão. Cumpriu a pena no Montijo e depois em Sintra.

Da cadeia para as Antas

Libertado em meados de 1970, Djalma seguiu directamente para o aeroporto. O treinador Meirim contava com ele para o jogo nas Antas, contra o seu F.C. Porto. Acabou por não jogar e dividiu o seu tempo entre a Barbearia Albino e o clube Tamariz.

Em duas épocas fez nove jogos e dois golos pelo Belenenses. Era a descida aos infernos, com passagens por Oriental e Marinhense. Reergueu-se no Sp. Espinho, campeão nacional da II divisão em 1973/74. Um acidente gravíssimo antecipou-lhe o fim de carreira.

No Brasil fez de tudo um pouco ao longo das últimas décadas. Foi telegrafista, motorista privado do compadre de Carlos Alberto Silva (ex-treinador do F.C. Porto) e colaborador fiel do Sport Recife.

«Gozei muito. Era a doideira da juventude. Agora levo uma vida pacata no meu bairro.» As cartas chamavam.

Seu Djalma volta ao jogo de baralho.

Djalma saiu do V. Guimarães e passou por F.C. Porto, Belenenses, Oriental, Marinhense e Sp. Espinho até 1974.»












Que este tenha metade do talento e o dobro de responsabilidade (talvez mais ainda, só o dobro deve ser pouco...) e teremos um grande jogador!

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