quinta-feira, 14 de outubro de 2004

DIÁRIO DE UM JOVEM NOS IDOS DE 1964

Lisboa, 17 de Outubro de 1964. Um domingo. Hoje acordei cedo e tomei o pequeno almoço com os meus Papás, precedido da oração matinal. Vesti orgulhosamente o meu uniforme da Mocidade Portuguesa, que a minha Mamã havia engomado de véspera. Em seguida, toda a Família foi à Missa das 11 horas à Sé. Que bonita estava a fotografia do Sr. Presidente do Conselho por cima do altar! A cerimónia foi bonita e o Sr. Cardeal Cerejeira até desejou boa sorte ao Glorioso para o jogo de logo à tarde com o Porto.
Por falar em jogo, duas grandes notícias! À hora do almoço, o Sr. Presidente anunciou na televisão que o nosso querido Eusébio ficava em Portugal! Esses italianos do Inter não levariam a nossa Pantera Negra, que é património do Estado! Estavam assim reunidas as condições para o Glorioso ganhar o 14º campeonato consecutivo, só nos últimos 3 anos. A segunda boa notícia foi que eu e o meu Papá, que não arranjáramos bilhetes para o jogo, afinal sempre o iríamos ver. Num gesto de grande generosidade, o Sr. Presidente havia dado ordens para que 1008 bilhetes fossem mandados para os pobres camponeses da cidade do Porto. Estes teriam assim uma boa justificação para visitarem a Grande Capital do Império e, claro, a Catedral. Todavia, à última hora descobriram que esses campónios mal agradecidos queriam trazer com eles faixas e bandeiras subversivas, com os dizeres "Viva o Porto" e "Super Dragões". Como não podia deixar de ser, o nosso querido Presidente retirou logo os bilhetes a essa gentalha e distribuiu-os por 1008 bons chefes de família, nos quais se incluía o meu Papá. E deixou logo o aviso, para que estivéssemos atentos às infracções: caso avistássemos algum cachecol azul, que não o do Belenenses, teríamos que avisar a Pide, pois os bilhetes trazidos por esses criminosos seriam certamente falsos.
Como eu estava excitado! Depois de ir à Missa, iria ver o Glorioso! E os nossos lugares ficariam mesmo por baixo da Tribuna Presidencial, onde poderia avistar o Sr. Presidente! Que alegria transbordava do meu jovem peito! E por falar em jovem, não queria concluir sem assinalar um facto. O jogo seria arbitrado por uma jovem promessa da arbitragem, o que garantiria um jogo isento de erros. O nome do Sr., vindo do Alentejo é Inocêncio Calabote.
E pronto, está na hora de ir, que se faz tarde para a reunião da Mocidade. Cá vamos, cantando e rindo!

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